Estou actualmente a estagiar no Instituto Profissional do Terço, no Porto, que é uma instituição que acolhe crianças desfavorecidas e que pretende educá-las e formá-las para a vida em sociedade. Está a ser uma experiência deveras gratificante... É a minha primeira experiência neste campo (já que, até aqui, apenas trabalhei com idosos em contexto de Lar) e para além de todas as dificuldades que se nos deparam, um sorriso e um "quando voltas?" proferido por qualquer uma daquelas crianças, dá-me vontade de as abraçar, beijar e aconchega-las junto a mim, dando-lhes todo o amor que tenho cá dentro...
São crianças tristes, uma grande parte sem a sorte que eu tive em nascer numa familia que, podendo não ter mais nada, nunca me faltou com amor, carinho e dedicação.
Não são apenas tristes... O olhar é vazio e anseia uma critica positiva; muitos deles são dotados de uma inteligência que tentam afagar com atitudes agressivas, resultado da revolta que sentem... Crianças inteligentes e curiosas!...
À uns dias, numa das pausas que lá fiz no estudo, um dos miúdos questionou-me desta forma:
_"Você é daquelas pessoas que se vestem sempre de preto?... Ai!!... Como é que se chamam?!?"
Do fundo da sala ouve-se uma voz feminina:
_ "Gótica!!"...
Eu sorrio... Pergunto-lhe, sem lhe responder porém, o que é isso de ser "gótico" e ele diz-me que não sabe; que são as pessoas que se vestem de preto.
No dia seguinte, numa das pausas feitas, vejo a menina (a "voz feminina" que proferiu as "palavras mágicas" para o colega no dia anterior) com um dicionário na mão. Procurava a palavra gótico mas apenas tinha como definição: "referente a Godos" e aí, depois de lhe falar neste povo bárbaro, depois de lhe dizer que o goticismo era muito vasto, que abarcava uma bela cultura, música, arquitectura, etc, fiz um acordo com ela:
_ "Pesquisas acerca disso e no próximo dia que cá vier trocamos impressões, tá bem??"
Disse-me que sim e tenho a certeza que deve estar ansiosa para me ver chegar no próximo dia com um papel para ela. Não que o conteúdo lhe seja importante, mas alguém trabalhou para ela, pesquisou e lhe vai entregar e testar o que sabe...
Hoje à tarde fiz uma pequena pesquisa na net. Eu própria fiquei a saber muitas mais coisas; apurei conhecimentos e descobri novas coisas... Aqui fica uma partilha para todos os que tiverem interesse.
Na sua origem mais conhecida, o termo gótico é derivado dos Godos: povo europeu considerado bárbaro e precursor do estilo arquitectónico que se oporia ao românico na Europa medieval. Porém, o autor Fulcanelli apresenta-nos uma outra hipótese: o termo gótico seria derivado da palavra Argoth (Art Goth), uma linguagem usada apenas por Iniciados nas tradições ocultistas. Mas é provável que a ''actual tribo gótica'' tenha sido assim denominada, em alusão aos Godos. Mas a questão é: Qual a relação entre os Godos e o ‘‘goticismo social’’ ?
A arquitectura gótica era considerada opositora às tendências medievais. Então, a ideia de ‘‘contra-movimento’’ foi associada a qualquer manifestação artística não convencional, sendo assim, designada como “gótico”.
Busquemos a essência de outros movimentos culturais, religiosos, sociais. Por exemplo: Cristão é aquele que segue Cristo. Então, gótico é o adepto do goticismo. Neste caso, a apreciação intrínseca pela arte cemiterial, o cultivo da tristeza e melancolia, sugerem o contra-movimento ocorrido na era medieval, mas agora rompendo as fronteiras das artes e alcançando a condição de segmento social. Portanto, o goticismo ainda é o oposto. Mas desta vez, é o outro pólo dos modos de vida da maior parte da população. A filosofia gótica contraria as tendências fugazes, contrapõe-se aos rótulos e modismos, choca-se com os ideais eternamente consolidados da sociedade.
Trazendo para os dias actuais, vemos nos média uma busca intensa pelo mercantilismo, a indução selvagem ao status social e a exploração da arte pelo consumismo. Já o goticismo é tão restrito, que suas manifestações artísticas não são difundidas pelos meios de comunicação mais acessíveis, ficando limitadas aqueles que buscam a face obscura da vida e da arte, formando um sub-mundo abstrato.
Ainda assim, é impossível definir com precisão um termo que designa personalidades; características individuais que diluem numa expressão cultural muito variada. Sintetizar em palavras o elemento gótico será apenas uma tentativa de comprimir um universo de questões filosóficas, espirituais e ideológicas que agem directamente na razão humana. Portanto, qualquer definição sobre o elemento gótico será frágil e incompleta.
Mas poderíamos resumir gótico, como o indivíduo de personalidade introspectiva e melancólica (além de tantas outras conotações empregadas ao termo no decorrer dos séculos). Vestir-se com trajes pretos e freqüentar cemitérios é apenas uma de suas características. Ser gótico é, antes de tudo, cultivar e preservar a solidão (não a solidão literal, mas sim a interior), buscando no ego respostas para as próprias aflições. O gótico não cultiva o negativismo, porem convive em harmonia com a escuridão. Possui uma sensibilidade a detalhes intrínsecos que a maioria das pessoas não possui. Já se nasce gótico, por isso não existe transformação mas sim um encontro e uma identificação com algum tipo de manifestação gótica.
Embora nem sempre manifestadas, tristeza e melancolia são sentimentos constantes na personalidade gótica. É o combustível da criação gótica, já que inspiram diversas obras literárias, musicais e em outros tantos segmentos artísticos.
Falar sobre tristeza é diferente de falar sobre pessimismo, desilusão, aflição, desespero. Estar triste é estar em paz com o ego; é retroceder na alma a tal ponto que o indivíduo fique submerso em si. Tristeza não é um sentimento negativo; assim como os cemitérios não são ambientes degradantes. Tristeza é o remanso do espírito; é paz introspectiva e nostálgica, não é antónimo de felicidade...
Esteticamente a arte gótica vai além da atmosfera sombria, explora também o surrealismo como base de qualquer criação. Na literatura abordam-se temas como a morte, o terror, desilusão, amores platónicos, dramas e tragédias. Na música, percebe-se a influência do que foi denominado “existencialismo” além das outras já citadas. Introspecção e uma agressividade camuflada compõe finalmente o que nós resumimos como actuação do goticismo, em várias manifestações em que é possível expressar a melancolia e a tristeza.
Sabemos que as definições sempre são distantes da essência, e o goticismo não pode ser compactado em poucas linhas. Entretanto, na nossa óptica, tentamos expor uma fracção atómica do que é a cultura mais sensível e subtil que o homem pode criar. Subtil e sensível, porque alguns conhecem o goticismo, mas poucos podem sentir e entender...
É comum associarem a imagem do Gótico ao satanismo, com alguma razão, já que o tema é tão frequentemente tratado nas obras de maior renome.O culto e destaque ao terror, onde vampiros, espectros, monstros e outras criaturas fantásticas são personagens principais, só serviu para aumentar toda essa ideia de que os Góticos são pessoas cruéis, amantes do sangue e da dor. Mas a história não é bem por aí.
O Género Gótico, na sua filosofia, quer apenas a simplicidade de todas as coisas: o preto no lugar das outras cores, o silêncio ao invés do barulho, eles preferem as emoções comuns, porém, profundas, como a tristeza e sofrimento a se enganarem com uma falsa e passageira alegria.
Em resumo, o Gótico quer paz, seja ela alcançada através da calmaria de quarto escuro, na morbidez de uma antiga necrópole, ou mesmo no descanso final. A morte.
Um pouco reformulada por mim, esta foi a informação que encontrei num dos sites que pesquisei: http://www.goticismo.cjb.net/ (Para quem quiser mais explicações).
AnAndrade